sexta-feira, outubro 10, 2008

Responsabilidade Social Empresarial e Investimento Social Privado nos sites do Instituto Ethos e do GIFE: uma contraposição à idéia de filantropia

COMPONENTES DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO

Nesse breve texto, vamos nos ater às definições encontradas nas páginas de Internet do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE) sobre os conceitos de "responsabilidade social empresarial" e "investimento social privado".
          
O GIFE tem um quadro de 86 filiados, que em 2005 investiram em programas considerados sociais aproximadamente R$ 1 bilhão, de acordo com dados fornecidos pela instituição. Ao Instituto Ethos pertencem, de acordo com seu website, 1183 filiados, que são responsáveis por aproximadamente 30% do PIB brasileiro e empregam 1 milhão de pessoas. Esses números, tornam as duas instituições as mais representativas a atuar sobre o tema no País.


          O Grupo de Institutos Fundações e Empresas coloca como seu objetivos reunir instituições que praticam o que chama de "investimento social privado", enquanto Ethos trabalha com o conceito de "responsabilidade social empresarial".

          O esforço para se chegar a conceituações sobre as semelhanças e diferenças entre as práticas envolvidas sob cada um dos termos apresentados, pode ser encontrado também em literatura específica sobre o tema (HADDAD, et. al. 2002; IOSCHPE et. al.), o que indica um debate em aberto nesse campo. No website do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (www.gife.org.br), podemos encontrar a seguinte definição:

          Investimento social privado é o repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público. Incluem-se neste universo as ações sociais protagonizadas por empresas, fundações e institutos de origem empresarial ou instituídos por famílias ou indivíduos.

          Para a definição de "responsabilidade social empresarial" do Instituto Ethos, podemos destacar o seguinte trecho:

          Os diversos setores da sociedade estão redefinindo seus papéis. As empresas, adotando um comportamento socialmente responsável, são poderosas agentes de mudança para, juntamente com os Estados e a sociedade civil, construir um mundo melhor. Esse comportamento é caracterizado por coerência ética nas ações e relações com os diversos públicos com os quais interagem, contribuindo para o desenvolvimento contínuo das pessoas, das comunidades e de suas relações entre si e com o meio ambiente.

          Uma observação possível sobre os trechos apresentados, é a de que o conceito de "responsabilidade social empresarial" do Instituto Ethos, organização que conta com doze vezes mais filiados do que o GIFE é mais abrangente, e ao mesmo tempo um tanto mais vago. A inclusão das atividades ordinárias da empresa capitalista, desde que submetidas a conceitos éticos, como "responsabilidade social empresarial", abre um leque de possibilidades, que só pode fazer sentido se houver uma definição precisa do que se entende por ética, o que é em si problemático.

          Enquanto isso, a conceituação do GIFE, de "investimento social privado", é focado numa prática mais pontual, concebida como investimento e retorno, o que delimita um campo mais preciso de atuação, embora menos ambicioso.


          Ambas instituições reivindicam em suas conceituações a atualidade de preceitos, propondo uma diferença que se propõe refundadora em relação as práticas tradicionais da caridade e da filantropia.

          A primeira investida, portanto, para a criação de uma categoria - primeiramente de Terceiro Setor - ou posteriormente de Investimento Social Privado, para a qual migrou o GIFE, dá-se por meio da diferenciação com práticas tradicionais de apoio filantrópico à comunidade entendidas como atividade espontâneas, eivadas de cordialidade cristã.

           Na página de Internet do GIFE, pode-se encontrar o seguinte trecho:
          A preocupação com o planejamento, o monitoramento e a avaliação dos projetos é intrínseca ao conceito de investimento social privado e um dos elementos fundamentais na diferenciação entre essa prática e as ações assistencialistas.
           Diferentemente do conceito de caridade, que vem carregado da noção de assistencialismo, os investidores sociais privados estão preocupados com os resultados obtidos, as transformações geradas e o envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação.


           A preocupação com o planejamento, o monitoramento e a avaliação dos projetos é intrínseca ao conceito de investimento social privado e um dos elementos fundamentais na diferenciação entre essa prática e as ações assistencialistas.

          O tema é tratado nas definições do Instituto Ethos em sua webpage de maneira bastante semelhante como pode ser observado no texto abaixo:

          A filantropia é basicamente uma ação social externa da empresa, que tem como beneficiária principal a comunidade em suas diversas formas (conselhos comunitários, organizações não-governamentais, associações comunitárias etc) e organizações. A responsabilidade social é focada na cadeia de negócios da empresa e engloba preocupações com um público maior (acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio ambiente), cuja demanda e necessidade a empresa deve buscar entender e incorporar aos negócios. Assim, a responsabilidade social trata diretamente dos negócios da empresa e de como ela os conduz.

          Há uma concordância em diferenciar o trabalho desenvolvido pelas associações que reúnem grupos empresariais e emulam a atuação da empresa capitalista privada na ação social das tradicionais instituições filantrópicas. O ponto chave tanto para Ethos quanto para GIFE é o modo de atuação, e não os objetivos dessa atuação.

           O eventual apoio a um grupo de crianças, de idosos, o incentivo a atividades esportivas ou culturais, etc. podem ser consideradas como práticas filantrópicas ou do Terceiro Setor, desde que se faça a distinção entre um modo administrado e racional e um modo caridoso e emotivo.

           Por outro lado, há uma divergência de conceituação quando se introduz nos conceitos do Instituto Ethos as práticas administrativas da empresa como um todo, entendida como a cadeia de negócios, pressupondo um tipo determinado de inserção da empresa na comunidade; enquanto nas definições do GIFE, estão focadas as práticas externas à administração da empresa capitalista.

          Diferentemente do conceito de caridade, que vem carregado da noção de assistencialismo, a classe empresarial que move as atividades das duas instituições estaria atenta aos resultados obtidos, às transformações geradas e ao envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação

           A mesma questão pode ser encontrada no prefácio de 3o. Setor e Desenvolvimento Social Sustentado (IOSCHPE, 1997), também editado pelo GIFE. A conceituação proposta é a de que as modernas práticas empresariais de busca de eficiência e resultados, aplicadas à ação social, criam um diferencial conceitual sobre as antigas práticas filantrópicas, baseadas no "amor à humanidade", implicando uma ação altruísta e desprendida (IDEM). Ainda de acordo com o documento, o GIFE surgiu em 1989 (...) num momento em que a ótica de mercado já não permitia este desprendimento, exigindo a previsão de retorno do investimento realizado tanto em relação ao beneficiário como ao investidor.

          Embora haja diferenças entre os discursos colocados, pode-se observar uma semelhança fundamental, a criação de um escopo que traz à cena a alusão a uma prática relativamente recente, em contraposição às milenares redes de solidariedade assistencial desenvolvidas ao longo da história e tratadas como filantropia - ou talvez mesmo, ousando uma provocação, mera filantropia.

          Se as diferenças são buscadas em práticas de atuação por parte dos duas instituições, não seria razoável negar, por outro lado, que ambas concorrem para o surgimento de uma cena comum, um espaço de discurso que aproxima as diversas práticas sociais promovidas pela empresa capitalista. Pode-se colocar que uma definição as une, talvez a fundamental, é a preconização de uma ação instrumentalizada e racional em contraposição à cordialidade filantrópica.

          A fundamentação discursiva pela contraposição, é um dos temas de Ernesto Laclau (2002), quando trata da constituição dos significantes vazios como elementos fundamentais de uma concepção política da linguagem.

          Para o autor, as equivalências que permitem o estabelecimento de redes de interesse e portanto de coalisões no campo político, entendido como prática social de luta pelo poder, são obtidas pela diferenciação em relação a um conteúdo positivo determinado. Os significantes vazios de Laclau encontram correspondência na obra do autor com sua flutuação. No caso, a flutuação de um termo, e seu esvaziamento, são as duas caras da mesma operação discursiva (LACLAU, 2002; pg. 27). Entende o autor que os significantes vazios ou flutuantes são aqueles preenchidos por diferentes significados de acordo com as cadeias discursivas onde ele está inserido.

          Dessa maneira, uma lógica de equivalência é necessária para uma operação ideológica: o abrigo sob o mesmo significante de situações que têm caráter diferencial. No caso da construção de um conceito de "responsabilidade social empresarial", ou de "investimento social privado", uma série de ações, atividades, entendimentos, enfim, criação de significados, cabem sob o mesmo significante, que passaria sob essa ótica a ser denominado vazio. As atividades sociais desenvolvidas pelas empresas em circunstâncias muito diferentes, com objetivos que não se coaduanam necessariamente, ganhariam um sentido com a operação ideológica de criação de um significante vazio, flutuante, onde podem coabitar.


          A operação da criação de uma cadeia de equivalências que corresponda a um significante vazio se daria em contraposição a um conteúdo positivo. O autor exemplifica com a observação de manifestações populares, onde são exibidos cartazes com palavras como "liberdade". Dado um determinado contexto - como no caso das manifestações contra o regime comunista no Leste Europeu no início dos anos 1990, comentadas por Laclau - compreende-se imediatamente o significado do termo como representando o aparato democrático ao modo ocidental que se reivindicava na ocasião. Desfeita essa contraposição, o mesmo significante "liberdade", perde sua cadeia de equivalência, abrindo possibilidade para uma série de interpretações e divergências que buscam preenche-lo de significado.

           A hipótese que se busca nesse pequeno trabalho, é que de acordo com o pressuposto de Laclau, uma operação semelhante, de contraposição a um conteúdo positivo para o estabelecimento ideológico de um significante vazio tenha correspondência no discurso do terceiro setor a respeito da filantropia - anátema que valida a operação de abrigar sob um mesmo conceito atividades em si distintas.
          
REFERENCIAS
Haddad, Sérgio (org.) ONGs e Universidade. Abong/Peirópolis. São Paulo, 2002
Ioschpe, E. Berg (org.) 3o. Setor - Desenvolvimento Social Sustentado. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1997
Laclau, Ernesto Misticismo, Retórica y Política. Fondo de Cultura Económica de Argentica. Buenos Aires, 2002
http://www.gife.org.br/
www.ethos.org.br

ELABORADO POR:
Vinicius Prates da F. BuenoJornalista, mestre em Comunicação Social da UMESP - Universidade Metodista de São Paulo.

FONTE:
http://www.comunicacaoempresarial.com.br/revista/04/comunicacoes/comunica9.asp